Sair de um relacionamento abusivo não é somente uma questão financeira ou de dependência emocional. Veja quais outras razões levam mulheres a permanecerem com seus agressores.
Por que algumas mulheres permanecem com seus agressores?
Quando pensamos em uma mulher que ainda está em um relacionamento com o seu agressor temos a tendência de pensar que ela ainda está com ele por dependência emocional, falta de recursos financeiros ou medo. Sim, isso é verdade, muitas mulheres se encontram presas ao relacionamento devido a esses fatores, mas eles não são os únicos.
O processo de neutralização é muito comum em vítimas de violência doméstica e ele corrobora para as mulheres não conseguirem dizer adeus aos seus agressores.
As neutralizações são tentativas constantes de tornar compreensível ou justificável alguns maus comportamentos, isto é, neutralizar e diminuir a gravidade ou os impactos negativos de algumas ações do agressor.
As categorias de neutralização são empregadas em diversas áreas de pesquisas, mas Kathleen J. Ferraro trouxe elas para o estudo de violência contra a mulher de forma muito bem elaborada.
Quais são as categorias de neutralização?
A ética da aparente salvação
Como o próprio nome já diz um bocado, considera que as mulheres condicionam a sua permanência no relacionamento quando se agarram à possibilidade de que seus maridos podem ser curados ou salvos daquilo que os faz serem abusivos ou violentos.
A negação da vítima
É quando as vítimas acreditam que os fatores que levam seus parceiros a serem violentos ou abusivos estão além do controle deles, elas passam a negar a intenção de seus parceiros de machucá-las e assim iniciam um processo de conformismo e negacionismo com episódios violentos dentro da relação.
A negação da lesão
Neste caso as mulheres reconhecem que estão machucadas, elas sentem a dor, mas consideram a dor tolerável, mulheres que estão sendo espancadas são capazes de tolerar muitas agressões físicas antes de considerá-las uma lesão grave, normalmente apenas consideram uma lesão grave quando são hospitalizadas.
É difícil para a mulher que está sendo espancada definir o que é uma lesão grave, e o que a diferencia de todas as anteriores que ela sofreu, quando ela começa a ficar condicionada a suportá-las e tolerá-las ao longo do relacionamento.
Negação da vitimização:
Algumas mulheres não se veem como vítimas de violência. Geralmente porque acreditam que fizeram alguma coisa para merecer a agressão ou que se elas tivessem oferecido menos resistência às demandas do parceiro e tivessem sido mais passivas, seus maridos/namorados não teriam sido violentos. Outras vezes por terem participação nas agressões ou seja, em casos de violência mútua.
A negação de opções:
Algumas mulheres querem deixar seus parceiros, mas não encontram opções para tornar essa decisão viável e poder garantir sua renda, sua moradia ou a educação dos filhos. É o aluguel que a vítima não conseguiria bancar sozinha, a mobília que precisaria ser comprada novamente, é o medo de envolver a família na separação, pois, contar sobre os abusos e agressões para a família pode gerar diversos efeitos.
Entre os efeitos de revelar as agressões está os pais ou amigos buscarem tirar satisfações com o agressor, ou então a família questionar a sua versão da história.
No geral, para mulheres nessas situações permanecer no relacionamento parece uma opção menos pior do que precisar lidar com o estresse da separação, então ainda que essa mulher possua opções disponíveis, ela as nega.
O apelo a lealdades mais altas:
Você já se encontrou se mantendo em uma situação desagradável pelo bem de algo ou alguém?
Então, esse é o caso de muitas mulheres que possuem filhos com o agressor e não querem que a criança cresça com a ausência do pai, ou, por motivos tradicionais ou religiosos, abominam a ideia de divórcio.
Essa mulher permanece na relação para se manter leal a algum compromisso que ela considera ser maior do que ela mesma ou a sua necessidade de terminar o relacionamento com o agressor.
A neutralização é uma armadilha, nos faz ter muita esperança, não acreditar no que os olhos veem, se apegar a algo e deixar o próprio bem-estar em segundo plano, além de nos deixar em um constante estado de negação.
Dinheiro, medo e dependência emocional não são os únicos motivos para mulheres não abandonarem seus agressores.
Tudo começa na tomada de decisão sobre ir ou não embora e o que a vítima está considerando durante esse processo. Quais os prós e os contras? Do que a vítima vai precisar abdicar, o que ela vai precisar enfrentar, qual será a resposta da família, é uma decisão que vai contra seus princípios e expectativas do que é um casamento? Como ficam os filhos? Será que a relação merece uma segunda chance?
E devo dizer, diversas vezes essas chances são dadas. Mais de uma. As neutralizações colaboram para isso e ajudam a perpetuar um ciclo de violência que parece não ter fim.
Esse texto é um olhar de outra perspectiva sobre os motivos para algumas mulheres continuar com seus agressores.
–Rejane Leopoldino